sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Mano: "No Brasil, o segundo lugar nunca foi absolutamente nada"




Vaiado, chamado de "burro" e ainda tendo de ouvir os gritos da torcida brasileira clamando por "Felipão". Essa tem sido a vida do técnico Mano Meneses, que assumiu a seleção logo após a Copa do Mundo de 2010 e pegou o pepino de ter que renovar a seleção (que já não contava mais com nomes como Ronaldo, Cafú, Roberto Carlos) e ainda preparar o time para disputar uma Copa do Mundo em casa.

O fato é que o Brasil hoje não é a melhor seleção do mundo e mesmo recheada de talentos precisa ganhar forma, padrão de jogo. Ainda faltam dois anos, mas será que Mano sobrevive até lá?

Em 2002, quando o Brasil foi campeão pela última vez, vários técnicos passaram pelo cargo em quatro anos de preparação. Entre eles Luxemburgo e Leão. Sem os resultados esperados e com a pressão da torcida exigindo sempre o primeiro lugar, cabeças rolaram e Felipão assumiu a seleção pouco antes da Copa. E ganhou!

Mano falou dessa pressão em entrevista ao site da Fifa. Leia abaixo:


Em 2010, você migrou da condição de técnico de clube para a de selecionador. Houve algum aspecto desse trabalho que o surpreendeu?
Ainda temos algumas dificuldades de calendário dentro do Brasil, o que dificulta muito a vida do técnico da Seleção. Nem sempre você pode escolher os jogadores que gostaria, e isso é ruim para a equipe. Você às vezes perde um tempo precioso tendo que esperar para fazer algo que, na verdade, pretendia fazer alguns meses antes, por exemplo. A maior dificuldade é a falta de períodos maiores para se estar com os jogadores, porque às vezes você se reúne com o grupo durante 48 horas antes de um jogo e pronto. E isso é um risco, ainda mais quando se está numa fase – como nós vínhamos até aqui – de poucas definições. Tínhamos que escolher um grupo, observar novos jogadores. Não podíamos ficar presos sempre aos mesmos nomes, porque esses provavelmente não estariam em 2014. Então, ter que fazer tudo isso num curto espaço de tempo, com pouca possibilidade de estar com o grupo por períodos mais longos, foi e tem sido ainda a parte mais dura.

Ao contrário de um clube, em que você escolhe seus titulares dentro de um elenco de 25 ou 30 jogadores, na Seleção você tem uma gama enorme da qual escolher. Isso faz com que você possa partir de um ideal seu e, a partir dele, selecionar as peças?
A grande diferença dos clubes, sobretudo no Brasil, é essa: você monta a maneira de jogar, obedecendo às características dos jogadores. Na Seleção, você pode escolher uma maneira de jogar e buscar os jogadores para desenvolvê-la melhor. Claro que existem mudanças de direção no percurso, e você precisa ser sensível a elas – às vezes um jogador em que você não tem tanta expectativa se afirma melhor, por exemplo. Mas a regra básica é essa: você pode escolher como jogar.


E o que significa essa “afirmação”? Limita-se ao fato de o sujeito jogar bem pela Seleção?
É com base em tudo: é importante, além da parte de dentro do campo, você ter ambição, ter objetivos grandes; uma postura grandiosa com relação a estar na Seleção Brasileira. Estamos ocupando agora o lugar que foi ocupado por verdadeiros ídolos nacionais – jogadores e técnicos –, e eles escreveram a história do futebol brasileiro, o mais vencedor do mundo. Então, isso é uma responsabilidade, e saber se portar diante dela significa muito para a Seleção. Isso está ligado diretamente com muitas decisões que tomo.

Esse lado humano, de contato com os jogadores fora do campo, também deve ser muito diferente quando se está num clube ou na Seleção, não? Seu jeito de lidar com o elenco é outro?
É. A abordagem é diferente, porque você é menos íntimo. No clube você é mais íntimo e precisa, aliás, ter essa intimidade para abordar determinados assuntos; para que o jogador tenha confiança em você e se abra para falar de alguns assuntos. Então, os jogadores têm uma carreira dentro de seus clubes, muitas vezes são utilizados de maneira um pouco diferente de como o são na Seleção, em termos de posicionamento tático. E, acima de tudo, a grande diferença é que eles são mais evidenciados em seus clubes. Na Seleção, eles precisam compartilhar essa evidência. Você olha para o lado e vê um jogador que é ídolo em outro clube. Então, você precisa se despir ainda mais de sua vaidade pessoal em nome de um coletivo.

Saber se portar diante (da responsabilidade de jogar pela Seleção) está ligado diretamente com muitas decisões que tomo
Mano Menezes, sobre seus critérios à frente da equipe





Para você, esse sucesso recente da Espanha e do Barcelona é um fenômeno isolado, que só funciona com aqueles jogadores, ou começaremos a ver gente pensando o futebol de um jeito diferente?
Os vencedores sempre são marcantes e influenciam períodos do futebol. Passam a ser referência e, a partir desse momento, alteram o comportamento dos demais, porque são as equipes a serem batidas e, para batê-las, é preciso entendê-las bem. Você certamente não vai copiá-las, porque não tem condições nem necessidade, mas certamente entender seu processo, a dinâmica do jogo, a filosofia... O período durante o qual isso acontece vai ser diretamente proporcional à capacidade dessas equipes de se manterem vitoriosas – o que já vem acontecendo há um bom tempo nos casos da Espanha e do Barcelona -, mas isso também vai ter muito a ver com os nomes que essas equipes têm à disposição nesse período. Isso foi assim em qualquer grande seleção.

Mas, como essa mudança não é exatamente tática e sim de estilo de jogo, de valorizar o toque de bola, ela é ainda mais dependente de se ter jogadores de qualidade, não? 
De fato, essa maneira de jogar não é reproduzível numa mesma proporção se você não tiver as peças adequadas. Certamente, isso vai ser feito numa escala muito menor. Olhando para o Barcelona: eles jogaram de todas as maneiras nesse período; com todas as sistematizações táticas. Fez coisas que você olhava e dizia: “não é possível que, taticamente, eles estão fazendo isso”. E, mesmo assim, a equipe conseguia uma grande supremacia. Isso vai ser possível somente com esse grupo, com aqueles jogadores. Agora, acho que o Barcelona vai manter durante muito tempo a filosofia. Porque, se você ganha de um jeito, isso fica marcado dentro de um clube, e o torcedor não vai admitir muito menos do que isso.



Hoje você deve passar boa parte do seu tempo estudando; assistindo a jogos. Como é esse assistir ao futebol para um técnico da Seleção?
Você tem planilhas de observação de jogos. Logicamente, você enxerga o jogo de outra maneira: é o trabalho mesmo. Você vê sozinho, ou com sua equipe de trabalho. Nós temos softwares que permitem uma observação muito objetiva: ao toque de uma tecla, você direciona o trabalho exatamente para o aspecto que quer analisar – que tipo de lance você quer ver; um resumo daquele jogo. É muita, muita observação. O futebol caminhou para isso, e ninguém vai para o jogo sem saber exatamente o que o adversário pode fazer. Se você é um profissional dedicado, hoje não existe razão nenhuma para o desconhecimento.

O que esta experiência tem te ensinado para o futuro? No dia em que você voltar a assumir um clube, por exemplo, acha que fará algo diferente?
Logicamente, o fato de passar pela Seleção Brasileira dá ao treinador um status e um respeito maiores perante todos os jogadores, e isso é bom para a relação. Você partir do pressuposto de que você é respeitado e admirado por um grupo facilita. Ter que lidar com todas essas situações novas também vai te deixando mais experiente, mais bem preparado. Você também tem a oportunidade de estudar mais nesse período com uma seleção, porque te sobra tempo para isso, já que há menos jogos. O convívio com grandes jogadores do mundo todo, o fato de enfrenta-los, também te dá um entendimento melhor do jogo. Isso tudo faz de você um melhor técnico.

Uma vez eu ouvi de um técnico que “o grande jogador dá pouco problema”. E é verdade. Os que dão mais problemas são os outros, os que pensam que são grandes jogadores 
Mano Menezes, técnico da Seleção


Aos olhos da torcida brasileira, a Seleção já entra em qualquer Copa do Mundo com a obrigação de ganhar. Agora, em casa, essa pressão vai chegar a um nível inédito? Vai ser a maior pressão que já se viu sobre uma equipe?
Olha, eu acho essa uma questão amplamente discutida, mas que não tem tanto embasamento objetivo. O Brasil sempre esteve muito pressionado para ganhar as Copas, desde que começou a vencê-las – porque é assim para quem já venceu. Uma vez que você é campeão do mundo, o torcedor do seu país não admite menos do que você voltar a ganhar. E, no Brasil, o segundo lugar nunca foi absolutamente nada. Então, não vai mudar muito, desde que nós estejamos preparados. Você só deve temer  algo para que não se preparou. Então, independente do que se fale em volta, a Seleção Brasileira já perdeu e ganhou fora do país e perdeu a única Copa que disputou dentro de casa. E não perdeu porque a pressão era maior, mas porque tinha um amplo favoritismo, fez uma grande campanha e, quando chegou no momento final, perdeu para uma grande seleção, a do Uruguai. Você sempre perde para alguém que está melhor, ou que foi melhor do que você naquela hora. Então, o que é preciso fazer é se preparar, para estar melhor quando chegar o momento.

Antes de assumir a Seleção, você treinou o Corinthians justamente durante a chegada de um astro como o Ronaldo, que gerava tanto frenesi da mídia. Hoje você vê que ter passado por aquilo te ajudou a lidar com algumas situações na Seleção?
Aquilo me ajudou e certamente influenciou na minha estada aqui, porque as pessoas olham o seu trabalho e como você se comporta; estudam a sua capacidade de assumir uma responsabilidade como a de ser técnico da Seleção Brasileira. E o que eu aprendi muito da convivência com o Ronaldo e com outros grandes jogadores – como o Roberto Carlos, que também esteve comigo no Corinthians – é que a relação com eles é extremamente simples. Tem que ser muito transparente e objetiva. Grande jogador não gosta de “conversinha”; gosta de assunto sério. Você precisa encaminhar com eles assuntos que precisam realmente ser tratados, combinar como a postura de cada um será na relação e cumprir com esse combinado. Aí você não tem problema. Uma vez eu ouvi de um técnico que “o grande jogador dá pouco problema”. E é verdade. Os que dão mais problemas são os outros, os que pensam que são grandes jogadores. Então, é melhor ter grandes jogadores. (risos)

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